
Qual a diferença do rape de latinha da esquina e do rape indigena?
Rape indígena é feito na força do rezo, na força espiritual.
Consagra-se com um proposito.
Ele traz a cura e conexão espiritual.
O rapé tem seu uso bastante difundido na região norte do Brasil. Os índios brasileiros o utilizam a séculos, mesmo antes da chegada dos europeus, de uma forma ritual, bem diferente do que se conhece hoje. Existem vários tipos de rapé, várias formas de prepará-lo, e vários fins para utilizá-lo. Desde os rapés mais simples, usados como simples expectorantes, até rapés de extremo poder e força tais como Virola, Pariká, Yopo, etc.
O rapé, normalmente, tem como base o tabaco, e alguma outra substância vegetal. O rapé é uma medicina sagrada, utilizada durante pajelanças realizadas com Ayahuaska e defumações.
O Tsunu e um rapé de alquimia simples, porém bastante interessante:
sua base é o tabaco bem picado e pilado, e a mistura é a cinza da casca de uma árvore amazônica, que os índios Yawanawas chamam de Tsunu. Esse rapé possui um alcalóide ativado pela combustão da casca de Tsunu durante a sua confecção, por isso as propriedades medicinais são intensas. Para os Yawanawas, o rapé, a mistura da cinza com tabaco, pode expulsar qualquer coisa ruim e maléfica que possa estar atrapalhando a vida da pessoa, agindo no ponto em que a pessoa necessita. Também temos informações de que esse alcalóide foi bastante utilizado eficazmente contra várias doenças tropicais. A casca de Tsunu, é considerada uma das 10 plantas medicinais brasileiras mais importantes, é empregada na medicina popular para tratar malária, impotência, má digestão, tontura, prisão de ventre e febres.

Os primeiros registros científicos do uso do Pau-Pereira ou Tsunu em tratamentos médicos surgiram em teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e na Revista Médica Fluminense (1861-1923). Entre outras citações, aparece na primeira prescrição de banhos de ervas obtidas a partir do cozimento das cascas de Tsunu, do médico brasileiro Joaquim José da Silva (1791-1857) à escrava de sua irmã, que sofria de febres intermitentes. O relato menciona que a escrava foi curada no segundo dia de tratamento, resultado que estimulou o médico a continuar prescrevendo tais banhos para pacientes com febres.
O rapé é preparado com muito carinho, usando-se tabaco e cinzas de cascas de árvores, dentre elas o Tsunu, é usado para caçar e para tirar a “panema” (preguiça e má-sorte), na hora da cerimônia do Uni (Ayahuasca) as duas energias se unem e o Uni vem com mais luz, mais perfeito, profundo e esclarecedor.
Para contar a historia do Rape, nada melhor que as palavras de Tashka Peshaho Yawanawa(https://www.facebook.com/yawanawa).
“O rapé, que meu povo chama de Rume, é um parceiro amigo do Uni (ayahuasca) e de outras medicinas usadas em nossos rituais. Os dois trabalham juntos.
Nunca ouvi nenhuma história de se organizar uma rodada de pessoas para fazer rapé, o tal “feitio de rapé”, conforme andam anunciando. Isso é invenção, modismo, deturpação do que para nós é simplesmente tradição. Infelizmente, na atualidade, estão produzindo rapé quase que em escala industrial para vender, transformar em mercadoria, ganhar dinheiro.
O rapé, não diferente de outras medicinas indígenas (Uni, pimenta, shabori, yopo etc.), desde tempos imemorias, é utilizado pelos povos indígenas como uma ponte do mundo físico para o mundo espiritual.
É usado em ritual de cura pelo pajé (líder espiritual e curandeiro) e também no cotidiano, Nos anos 1980, muitos povos indígenas acreanos quase já nem utilizavam mais o rapé.
Foi a partir de uma retomada cultural e espiritual, que se deu a partir dos anos 1990, que os povos indígenas voltarem a utilizar o rapé. Hoje é utilizado por quase todos os povos indígenas amazônicos e virou modismo envolvendo brancos e indígenas, adeptos da new age do xamanismo, mais preocupados em deturpar uma sabedoria em troca de lucro fácil.
O rapé é preparado tradicionalmente pelo pajé, pelo aprendiz de pajé ou por alguém de confiança da aldeia que se dedica a fazer rapé pra si e pra comunidade. Não existe o pajé do rapé, o mestre do rapé, ou guru do rapé.
É diferente do Uni. A pessoa que prepara o Uni e serve o Uni tem que ter uma iniciação xamânica, senão é como advogar sem ter registro na OAB.
O fazedor de rapé é uma pessoa que goza da confiança da aldeia, que se senta no canto da casa e começa a moer seu rapé dentro de uma taboca.
Muitas vezes, sozinho em sua cabana, entre um cigarro e outro, joga conversa fora com os amigos que o visitam. Não existe nada desse pretenso pomposo “feitio de rapé”, com dieta, hinos, cocares, etc.
A sociedade ocidental gosta de etiquetar, idealizar, romantizar e rotular as coisas, como “feitio de rapé”.
Soa assim bem de igreja, como feitio de daime. Deixa de ser uma coisa produzida na floresta, no silêncio da floresta. Cheguei até a ver na internet um curso para ser mestre e padrinho de igreja que tomam ayahuasca.
Onde vamos chegar com tanto comércio e modismos?
Como indígena, devemos ter muito cuidado com essa apropriação cultural e o mal uso dessa medicina tradicional indígena.
Mesmo que a cultura não seja estática e esteja sempre em movimento, é importante mantermos a essência e o respeito destes conhecimentos indígenas, pois é tudo o que a gente tem.
Se não tomarmos cuidado e zelarmos por ela, corremos o risco de perde-la, ou perdemos o seu uso original, equilibrado e harmonioso. Sem elas, perdemos a nossa espiritualidade e sem espiritualidade não somos mais povos verdadeiros.
O rapé, depois de preparado, é guardado dentro de cano de taboca e acompanha seu dono para todo lugar que ele vai.
Não se toma/passa/cheira rapé de qualquer pessoa, pois o rapé leva consigo, a força de quem o preparou. Inclusive, antigamente, as pessoas “envenenavam” as outras através do rapé. Então fica o alerta: muito cuidado de quem você está adquirindo rapé.
Na época em que nosso povo foi contatado pelos patrões seringalistas, ao chegar na maloca de meu avô Antônio Luis Pekunti, o patrão branco, foi obrigado a tomar uma “rapezada” com meu avô. Ele fez aquilo porque queria conhecer ele, pra saber se ele era uma pessoa do bem ou do mal e para ver se ele era “homem” pra aguentar de pé um rapé Yawanawa. Como o patrão branco não caiu no chão e continuou de pé, ganhou o respeito de meu avô.
O rapé é uma medicina usada pelos nossos antigos para inspirar-se, clarear as ideias. Tomamos rapé logo pela manhã, pedimos a força de nossas ancestrais para abrir nosso dia com coisas positivas, irradiar bons pensamentos, enviando e desejando boas vibrações para nós, para nossos relativos e para o mundo.
Toma-se (passa/cheira) rapé em diferentes situações. A mais comum delas é:
a) rodada de Uni, numa cerimônia com todos da aldeia;
b) o pajé toma para soprar numa pessoa enferma;
c) o pajé sopra numa pessoa que está levando “uma peia” do Uni)
d) toma-se pela manhã para “abrir o dia”; e) para ter inspiração numa conversa de aldeia.
Atualmente tem havido uma grande busca pelas medicinas indígenas. O rapé tem sido uma das medicinas mais difundidas e expandida no mundo. Com ele cresce também a responsabilidade de utilizá-lo com reverência, respeito e cuidado.
Se alguém já participou de uma “dieta do rapé”, ”feitio de rapé”, é preciso saber bem de onde veio essa inspiração: se aquilo surgiu daquele momento, para aquele situação, se foi criada com aquele propósito, para aquele experiência.
A cultura continua em movimento e ela se adapta ao tempo que estamos vivendo. Tudo depende do que estamos abertos a vivenciar.”
fonte: Instituto Humanitatis – Xamanismo e as Plantas de Poder